domingo, 7 de março de 2010

Horizonte



Havia uma menina sentada junto a uma janela. Ela vestia uma velha camisa de dormir larga e tinha cabelos castanhos lisos, longos; tinha uma caixa de plástico vermelha no colo e olhava o horizonte cinzento ao longe. Talvez vivesse numa ilha e talvez brincasse junto ao mar nas tardes de verão. Ela estava sentada não sei bem se num banquinho de madeira ou se num rochedo do tamanho do mundo. Às vezes os seus olhos pousavam suavemente na caixa vermelha e os seus pequenos dedos imprimiam na superfície do plástico antigas histórias de gente que não mais voltara do mar. A casa era do tamanho de uma janela que dá para o mundo e a madeira cheirava a madeira e alguma coisa nela me dizia que outrora fora barcos. Nenhum entardecer se assemelhava ao que habitava aquela janela e a menina sabia-o, não sei bem como. Os seus olhos cinzentos olhavam o horizonte com a paciência de quem olha os horizontes e por vezes esticava o pescoço para ver mais longe. Ela descobrira sozinha o significado da palavra longe. O tempo era verdadeiramente algo indistinto e os cabelos acariciados pela tempestade gritavam aos olhos mais atentos a palavra eternidade. Sempre que abria as mãos caíam ao chão punhados de terra ainda misturada com raízes e no seu colo pousava aquela caixa vermelha de plástico liso, como uma mancha de sangue no branco sujo da camisa de dormir. Sempre que abria as mãos caíam no chão punhados de terra ainda misturada com raízes. (...) Um dia alguém vindo do mar dissera-lhe ao ouvido a palavra infinito e ela rira. Ria sempre que alguém dizia infinito. Desde então passava noites inteiras na sua janela. Nenhuma palavra se lhe ouvia, mas ria-se às vezes como se riem as crianças. (...) Outros dizem que aprendeu a falar com os mortos e que passeia no fundo dos mares; que chama pelo respectivo nome cada estrela e que tem uma música para cada pôr-do-sol; que guarda na pequena caixa de plástico todos os sonhos dos homens. Eu sei que ela tem uma janela nos olhos; imagino que corra na praia e que caminhe sem dificuldades na estrada do horizonte. (...)

poema: José Rui Teixeira

ilustração: Joana Quental

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