sábado, 30 de janeiro de 2010
A borboleta
De manhã bem cedo
uma borboleta
saiu do casulo.
Era parda e preta.
Foi beber ao açude.
Viu-se dentro de água.
E se achou tão feia
que morreu de mágoa.
Ela não sabia
- boba! – que Deus deu
para cada bicho
a cor que escolheu.
Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
mas deu roupa nova
azul e amarela.
uma borboleta
saiu do casulo.
Era parda e preta.
Foi beber ao açude.
Viu-se dentro de água.
E se achou tão feia
que morreu de mágoa.
Ela não sabia
- boba! – que Deus deu
para cada bicho
a cor que escolheu.
Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
mas deu roupa nova
azul e amarela.
poema: Odylo Costa Filho
fotografia: Jerry Sundin
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
A mecânica do coração I
Vem, minha árvore florida. Esta noite quando apagarmos a luz, vou pôr-te os óculos nos rebentos. Com a ponta dos meus ramos chegarás à abóbada celeste e sacudirás o tronco invisível que sustém a lua, fazendo cair sonhos novos a nossos pés como flocos de neve tépida. Plantarás solidamente na terra as tuas raízes em forma de saltos de agulha. Deixa-me chegar ao teu coração de bambu, quero dormir a teu lado.
texto [excerto]: Mathias Malzieu
fotografia: José D'Almeida & Maria Flores
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Festim do Riso
Sentados na relva, os meus cabelos nas tuas mãos
anelavam dedos de silêncio
e estar assim nunca foi tanto e te amei mais.
Gostava de saber porque estavam húmidos os olhos
dos patos. Talvez soubessem que os ossos pesam menos
que o sonho de voar. Os cisnes escondem todo o drama
da existência no pescoço. Desconfia dos cisnes, meu amor,
que eu tenho asas e deslizo sobre ti como uma ave partida
em tu e eu. Mas com o sol da tarde e a minha cabeça
deitada em ti e tu inteiro no meu colo que era meu
a realidade a pino entrou a correr no parque
e apeou-se em nós para colher abrigo.
Mas ela pedia com o olhar e com palavras
e nós sabíamos tudo: quanto queríamos sofrer
e de que dor (se riem eles) tirar todo o prazer
e logo o dar. Talvez haja suor nos olhos dos patos,
e o teu sal a temperar-me a carne, a forçar
ervas aromáticas com os dedos lambuzados
de saliva nos meus olhos. E ficava a ver-te
quando tremias de calor ou cobria-te mais
dentro da boca. Descalça, sobre as uvas de antes,
os meus pés dardejavam a fermentação do vinho
que tingia a roupa. Ao rubro dentro do vestido.
Realidade suculenta a dança. É assim que engano a lei
da gravidade com os ossos de ave a resistir ao peso,
e vivo ao rés do solo onde te encontro em festim do riso.
Lá fora a relva está chovida. Sacudo as asas para te voar.
poema: Rosa Alice Branco
ilustração [pormenor]: Joana Quental
Amo-te no Intenso Tráfego
Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento.
poema: Daniel Faria
fotografia: Graça Loureiro
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Se Tu Viesses Ver-me...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
poema: Florbela Espanca
fotografia: DDiArte
Amor
Um verão de chamas cresce
enquanto ofereces o mar
nas tuas mãos abertas.
Entre os dedos nadam os ventos do sul;
às vezes um rapazinho
canta entre eles
e atira pétalas aos teus olhos.
É a parte de mim que não cresceu.
Queria deixar sobre o teu vestido o rumor
do primeiro voo de um flamingo,
o que sou ao pé de ti:
marinheiro de terra enlouquecida,
potro de água a galope no esplendor
da pele.
Já não posso regressar ao outono:
perdi as minhas sandálias quando corria
nas dunas do teu nome.
A tua claridade cega-me
e um barco é azul
nas ondas destas sílabas.
enquanto ofereces o mar
nas tuas mãos abertas.
Entre os dedos nadam os ventos do sul;
às vezes um rapazinho
canta entre eles
e atira pétalas aos teus olhos.
É a parte de mim que não cresceu.
Queria deixar sobre o teu vestido o rumor
do primeiro voo de um flamingo,
o que sou ao pé de ti:
marinheiro de terra enlouquecida,
potro de água a galope no esplendor
da pele.
Já não posso regressar ao outono:
perdi as minhas sandálias quando corria
nas dunas do teu nome.
A tua claridade cega-me
e um barco é azul
nas ondas destas sílabas.
poema: Eduardo Bettencourt Pinto
fotografia: Mariana Sabido
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Nos campos onde moram os ventos dos teus olhos
que foste a palmeira branca
de todas as coisas impossíveis,
a claridade que atravessa o mais longo oceano do Outono,
nas esplanadas das cidades que se esgotam no Tempo
onde me vês, escondido entre palavras mudas,
esgravatando a música de insondáveis rumores,
e que apesar de tudo me encontras como sou, descalço
entre pombas e magnólias, o mar do Verão nas mãos trémulas,
e o teu nome a crescer na minha boca como uma rosa,
cintilante e cheia de poesia.
poema e fotografia: Eduardo Bettencourt Pinto
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
[zris]
como se em flor os deuses
se abandonassem
e houvesse uma cor breve
no interior de cada palavra
que certos poetas usam
para segredar o mundo
e todavia se pressentisse a
eternidade
na disposição frágil
das sílabas e das pétalas
poema: Sandra Costa
se abandonassem
e houvesse uma cor breve
no interior de cada palavra
que certos poetas usam
para segredar o mundo
e todavia se pressentisse a
eternidade
na disposição frágil
das sílabas e das pétalas
poema: Sandra Costa
fotografia: Inês d'Orey
a mecânica do coração
Após um quarto de hora de acertos e uma boa sopa de aletria, recupero o meu patusco estado normal.
Madeleine, essa, tem as feições tensas, como quando canta durante muito tempo para me adormecer, mas com um ar mais preocupado.
- O teu coração não passa de uma prótese, é mais frágil do que um coração normal e será sempre assim. O mecanismo de um relógio não é como os tecidos, não filtra tão bem as emoções. Tens de ser mais prudente. O que se passou na cidade, quando viste a pequena cantora, confirma o que eu temia: o amor é muito perigoso para ti.
- Adorei olhar para a boca dela.
- Não digas isso!
- Ela tem covinhas, sorri de muitas maneiras, dá-me vontade de ficar a olhar para ela.
- Tu não te apercebes, mas é como brincar com o fogo. É um jogo perigoso, sobretudo quando se tem um coração de madeira. Doem-te as engrenagens quando tosses, não doem?
- Doem.
- O mecanismo do teu coração explode. Fui eu que te enxertei esse relógio, sei perfeitamente como funciona, quais são os seus limites.
texto [excerto]: Mathias Malzieu
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Soneto do amor e da morte
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
poema: Vasco Graça Moura
pintura: Alex Grey
Como o Coração
passa por esses momentos violentos do corpo,
onde os desejos vêm beber como os animais cansados
chegam aos grandes rios originários das nossas fundações.
Que memória consentir então aos corpos,
que lugar deserto às paixões, que curso
ao nosso descer o rio?
Tu não me respondes. Entramos no mais fundo
da pedra, no túmulo preterido, espólio
de um deus acossado, eu estrangeiro, eu esquecido.
Tu ocultas o coração, voltas-te de perfil
para as dunas, a pedra, pedra.
Não me respondes.
Como o coração, dizes.
poema: Luís Filipe Castro Mendes
fotografia: Mark Freedom
O Mar é Longe, mas Somos Nós o Vento
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.
poema: Pedro Tamen
fotografia: Maria Catunto
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Para Vivenciar Nadas
para vestes usa pólen.
tem um cheiro colorido
e babas de amizade.
descola por ventos
e facilmente aterriza em sonhos.
borboleta tem correspondência directa
com a palavra alma.
para existir usa liberdades.
desconhece o som da tristeza
embora saiba afogá-la.
usa com afinidades
o palco da natureza.
nega maquilhagens isentas
de materiais cósmicos. como digo:
pó-de-lua, lápis solar
castanho-raiz, cinzento-nuvem.
borboleta dispõe de intimidades
com arcos íris
a ponto de cócegas mútuas.
para beijar amigos e vidas ela usa olhos.
borboleta é um ser
de misteriosos nadas.
poema: Ondjaki
fotografia: *DaJe
domingo, 3 de janeiro de 2010
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