terça-feira, 9 de março de 2010

As nossas mãos



O teu corpo entre a luz do azeite, ou as velas em castiçais, como o teu rosto aceso nos jantares. Nem um dia sem uma luz do sol. Nem uma noite sem uma luz das estrelas.
O teu corpo num altar. O teu corpo junto a um altar. O teu corpo, um altar onde beijo a cor do coração e me ajoelho, fixando os nossos olhares que olham na mesma direcção. Estão lá os nossos santos, a nossa fé, os nossos gestos encostados à berma do nosso leito, que é o leito e altar, antes de nos descansarmos.
As noites têm uma mão acesa, junto à lamparina azeite que é costume deixares a arder pela madrugada fora. Toco a tua mão acesa e dou-lhe a minha mão que arde de verdade. Pego na verdade e levo-a até ao nosso leito, como tu gostas... como nós gostamos. É bom olhar as nossas mãos, ardendo de verdade, buscando as circunstâncias de um tecido que nos abriga simples e unidos. Quando nos encontramos, uma vez e outra e outra, ficamos a falar conversas bonitas no lençol quente - e elas vão-se fechando aos poucos, ensonadas, até lhes adormecer a boca.
Pela manhã, gostamos e desejamos acordá-las felizes.
Gostamos, não. Desejamos, não. Elas acordam felizes. As mãos. Elas riem-se muito. Coram de lucidez matinal. Surpreendem-nos explodindo a sua força anímica, atarefadas de um lado para o outro, levando por diante as suas aspirações. E, no crepúsculo, já as nossas mãos se uniram assiduamente com conversas de pele, caminhando pela ladeira que leva à fonte - incansáveis de sede e aconchegadas ao cântaro de barro.

texto [excerto]: Maria Antonieta Preto
pintura: Isabel Lhano

Sem comentários:

Enviar um comentário