quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Festim do Riso



Sentados na relva, os meus cabelos nas tuas mãos
anelavam dedos de silêncio
e estar assim nunca foi tanto e te amei mais.
Gostava de saber porque estavam húmidos os olhos
dos patos. Talvez soubessem que os ossos pesam menos
que o sonho de voar. Os cisnes escondem todo o drama
da existência no pescoço. Desconfia dos cisnes, meu amor,
que eu tenho asas e deslizo sobre ti como uma ave partida
em tu e eu. Mas com o sol da tarde e a minha cabeça
deitada em ti e tu inteiro no meu colo que era meu
a realidade a pino entrou a correr no parque
e apeou-se em nós para colher abrigo.
Mas ela pedia com o olhar e com palavras
e nós sabíamos tudo: quanto queríamos sofrer
e de que dor (se riem eles) tirar todo o prazer
e logo o dar. Talvez haja suor nos olhos dos patos,
e o teu sal a temperar-me a carne, a forçar
ervas aromáticas com os dedos lambuzados
de saliva nos meus olhos. E ficava a ver-te
quando tremias de calor ou cobria-te mais
dentro da boca. Descalça, sobre as uvas de antes,
os meus pés dardejavam a fermentação do vinho
que tingia a roupa. Ao rubro dentro do vestido.
Realidade suculenta a dança. É assim que engano a lei
da gravidade com os ossos de ave a resistir ao peso,
e vivo ao rés do solo onde te encontro em festim do riso.
Lá fora a relva está chovida. Sacudo as asas para te voar.

poema: Rosa Alice Branco
ilustração [pormenor]: Joana Quental

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