segunda-feira, 2 de novembro de 2009

DO MEDO EM DIANTE


Trazia a novidade de não ter medo

de descer a rua e atravessar a sombra

dos prédios atirada como arma

de granito, como festejo de civilização.


Perdera subitamente o medo do seu século,

do século que se vivia naquela rua

onde alguns se morriam à injecção,

do século das luzes dos seus vizinhos

a apagarem-se ao mesmo tempo

sem nunca terem trocado nada que não

essa distância de garagem, essa coincidência

dos horários civilizacionais.


Trazia a consciência de ser europeia

(África doera-lhe nos olhos como holofotes)

e de não querer escrever sobre esse assunto.

mas não ter medo de apagar sozinha a luz àquela hora,

não ter medo de nunca estacionar o carro na garagem

e de estar por isso sempre mais só do que os vizinhos,


pensava,


era suficientemente novo

para o poema.


poema: Filipa Leal

fotografia: Ricardo Gonçalves

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